A hora mais escura

Ninguém questiona a beleza de Brasília. Uma beleza artificial, alguns podem argumentar, mas beleza de qualquer forma. Quem se aventura além da Esplanada encontra uma cidade de verde exuberante, de curiosidades em cada canto. Mas, cada vez mais, uma coisa me entristece e angustia: Brasília não sabe se mostrar à noite. Basta uma voltinha para constatar o fato de que a iluminação de Brasília é antiquada. Não falo das lâmpadas utilizadas nas vias públicas, mas do conjunto todo. Os postes que margeiam as grandes avenidas não são dignos de iluminar sequer cidades pequenas do interior. A bela arquitetura da cidade desaparece à noite, escondida em prédios às escuras, assim como os monumentos. A ampla esplanada tem uma mancha escura no seu canteiro central.
As cúpulas do Congresso tiveram sua iluminação original, cuidadosamente planejada, substituída por uma iluminação que não lhe faz justiça, cheia de sombras.
A "nova" iluminação estraga as formas das cúpulas. Engraçado que isso
o IPHAN não vê.
Os edifícios gêmeos, logo atrás das cúpulas, igualmente tem suas formas inconfundíveis escondidas depois do pôr-do-sol. Nada de iluminação projetada para destacar o que é um marco daquela área da cidade. O Palácio do Planalto consegue escapar, mas por pouco. O Palácio Itamaraty ainda conserva o projeto original de iluminação e é um dos poucos que se pode admirar à noite.
Uma ilha de luz num mar de escuridão
Seu vizinho de frente, o Palácio da Justiça, fica completamente às escuras, com seus belos arcos e cascatas (desligadas) escondidos na penumbra.
A aparente luminosidade é fruto apenas fruto da longa exposição,
não há iluminação pensada para destacar os arcos.
Nenhum poste de luz ilumina o canteiro central, pois a iluminação ainda é a mesma da inauguração: uma fileira de postes baixos, à direita da pista. E só. O GDF está substituindo esses postes por novos com iluminação por LED, mas eles continuam apenas de um lado da via. Lá para a frente, depois do Buriti, a coisa fica pior. O que de dia é um belo bosque de mangueiras, à noite vira um breu só. Perfeito para a malandragem se esconder. Dali para a frente só o escuro. Mesmo a novíssima ciclovia não pode ser utilizada à noite, pois não foi planejada uma iluminação para ela.
Acredite, uma ciclovia passa bem aqui.
E erra quem pensa que são só as áreas e os edifícios públicos que desaparecem à noite. Os setores hoteleiros, o de autarquias norte e sul, todos eles cheios de edifícios modernos e de bela arquitetura, simplesmente não contam com um spotzinho sequer, iluminando suas fachadas. O resultado disso são quadras inteiras escuras como se na Etiópia estivessem. Nada digno de uma "moderna" capital de país. Mesmo a torre de TV, na região central, deve receber uma iluminação adequada somente agora, mais de 50 anos depois de sua inauguração, mas está tão às escuras que nem deu para fotografar. A avenida W3, à noite, apesar de contar com iluminação, sofre com a falta de atualização. As árvores cresceram o suficiente para esconder os postes, que como já mencionei são baixos. É de espantar que não aconteçam mais atropelamentos por ali, pois não se vê muito à noite. Em alguns pontos novos postes, ligeiramente mais altos, estão sendo instalados, mas não vão resolver nada, pois estão sendo posicionados no mesmo lugar que os antigos, enquanto que os canteiros centrais continuarão dependendo da iluminação "do outro lado da rua". Isso tudo sem falar nas dezenas de lâmpadas queimadas, por desgaste ou por depredação.
Não acredito que plantar postes centrais na Esplanada sejam uma ofensa ao projeto da cidade. Custo a acreditar que alguém possa encontrar óbices nessa "modificação". Custo mais ainda a acreditar que Lúcio Costa tenha pensado numa cidade invisível à noite, e que Niemeyer não quisesse que seus prédios fossem vistos somente à luz do dia. Uma tristeza que espero seja sanada o mais rapidamente possível, Brasília merece que todo esse potencial seja explorado.

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