Cuba

Ao fim e ao cabo de trinta dias intensos na ilha de Fidel, acho que tenho condições de analisar o que vi por lá mais apuradamente.
Passados os primeiros dias quando tudo é novidade, alguns aspectos da vida e dos costumes ficam mais claros, como é de se esperar. A idolatria da Revolução é muito mais imposta que sentida genuinamente. Tive a impressão de que as pessoas sabem que a Revolução foi importante, mas que a esperada liberdade não chegou por completo. Para manter os ideais socialistas o Governo usa de força. Não força bruta, apesar de já ter sido o caso, mas de regras estritas, limitações, racionamentos, etc. Sim, boa parte da situação difícil da ilha é causada pelo embargo, ou o foi em algum momento. O embargo, aliás, parece ser financeiro apenas. Operações bancárias e de cartões de crédito, por exemplo, são complicadas. Já o comércio com países do mundo todo vai de vento em popa. Parece-me que Cuba compra o que der de onde puder, tal a variedade de origens para os produtos industrializados vendidos na ilha. Nós, por exemplo, vendemos muito para eles, biscoitos, produtos de limpeza, entre outros.
Em conversas com alguns locais, apura-se que há um certo orgulho no fato de Cuba ter feito a Revolução e suportado - se é que pode-se dizer isso - os efeitos do embargo. É como se as pessoas pensassem "sim, a Revolução foi ótima, mas o que essa 'vitória'  nos traz hoje?". Não há fome, mas não há fartura. O pouco que há é controlado pelo governo, cujos membros, obviamente, não passam pelas mesmas provações que a população. Socialistas do mundo todo olham Cuba com olhos maravilhados, mas os cubanos não dividem essa visão romantista. Ver Cuba de longe é lindo, viver lá, como eles, é outra história. Há intelectuais de esquerda brasileiros que adoram flanar pela ilha dos Castro, mas ficam hospedados no Meliá e viajam de executiva.
A escassez de produtos variados e as dificuldades na importação - de novo, causadas não somente pelo embargo, mas também pela burocracia e intervenção local - tornam, por exemplo, uma simples reforma num martírio.
Mas nem tudo são dificuldades. Há alguns anos, um lento mas, a meu ver, irreversível processo de abertura tem sido posto em prática pelo mais radical dos irmãos Castro, Raúl. Assim, os locais puderam ter acesso à telefonia celular, o mercado imobiliário começa a deixar as mãos do governo e negócios privados pipocam por toda a parte. Em grande parte esse processo foi impulsionado pela necessidade de se impulsionar (a repetição é intencional) o turismo, fonte segura e quase inesgotável de recursos. A ilha tem muitas belezas e ainda há o turismo ideológico. Em anos recentes, muitos restaurantes privados chamados "paladares", foram abertos. Eles receberam esse nome graças ao sucesso da novela "Vale Tudo", na qual a personagem de Regina Duarte sobe na vida vendendo sanduíches na praia e acaba por montar um império chamado Paladar. Esses restaurantes são de gastronomia refinada, acessível para os padrões internacionais, mas ainda restritos a uma parcela pequena da sociedade cubana.
A infraestrutura é deficiente. As ruas principais, as grandes avenidas, são bem mantidas e de boa qualidade. Os reparos, quando necessários, são bem feitos. Já as ruas de menor movimento e em bairros da periferia são de qualidade atroz, esburacadas na melhor das hipóteses. Nota-se assim a preocupação de não assustar os turistas.
Fazer essa viagem serviu para desmistificar muitas coisas e serviu para ver que, não importa que nome se dê, regimes totalitários e centralizadores não deveriam mais existir e são uma excrescência no mundo de hoje, ainda que o povo a ele submetido aparente concordar e estar satisfeito.

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