Filhos?

Vamos por partes. Primeiro leia este post aqui. Está em inglês, mas acho que você dá conta, não?
Eu já vinha querendo tocar no assunto aqui no Peri há algum tempo. Nunca o fiz porque havia o risco de melindrar uns e outros. Convenhamos, tem gente que não aceita a opinião alheia e se acha no direito de postar comentários ofensivos, agressivos e outros "ivos".
Meu ângulo seria um pouco diferente. Sou casado há doze anos e não temos filhos. Não temos por opção. Logo que nos casamos, minha adorada cara-metade disse, quando o assunto veio à baila, que não se sentia confortável com a ideia de engravidar. É algo físico, entende? Ela adora crianças, não a julgue. Não se trata de não gostar de crianças. À época minha posição foi o que considero pouco comum para um homem recém-casado. Eu disse que o corpo a ela pertencia e que cabia a ela decidir o que fazer, que não bateria o pé para termos filhos, se essa não fosse uma ideia que a deixasse confortável. E assim, mantive essa opinião ao longo de nossa vida de casados. Sempre tivemos em mente que, se bater a ideia, sempre poderemos adotar.
Ela convive com cistos de todo o tamanho o tempo todo no útero. Já chegou a tirar um do tamanho da cabeça de um recém-nascido. Quem já passou por isso sabe o que significa. Distúrbios hormonais são constantes e por aí vai. Muito bem. Já tentamos com dois médicos diferentes a retirada do útero. Sim, já paramos várias vezes para tentar decidir se vamos ter filhos ou não. Decidimos que filho natural não vai rolar. Se daqui a alguns anos o instinto paternal (ou maternal) bater, a saída é a adoção. Quem disse que médicos aceitam fazer o procedimento? É como se o indivíduo, dono do seu corpo, não tivesse capacidade emocional e intelectual para decidir sobre o assunto. Dizem os médicos "veja bem, você pode mudar de ideia e aí é irreversível". Jura? Já nos dispusemos a assinar uma declaração reafirmando nossa decisão e isentando o profissional de qualquer responsabilidade. Nada. Vamos ter que entrar na justiça para exercer esse direito?
Isso tudo para ilustrar que nossa decisão de não ter filhos (pelo menos agora) não é emocional, é pensada e muito bem pensada. Ela está calcada principalmente no fato de que minha esposa vive em desconforto por causa de todos os problemas que os cistos causam e que as "soluções" também causam. Cirurgia de dois em dois anos para raspagem? DIUs e outras invenções que só causam distúrbios? Não, obrigado.
Voltemos ao post porque os parágrafos acima servem para ilustrar nossa posição com relação a ter filhos. O post foi escrito por um sujeito chamado John Kinnear. Ele é pai. Escreveu do ponto de vista de quem tem filhos, é bom frisar.
Confesso que quando percebi que eu costumava comentar do cachorro no meio de uma conversa sobre crianças, senti uma vergonha danada e prometi a mim mesmo não mais fazer isso. Kinnear tem razão quando diz que casais com filhos veem com "desconfiança" casais sem filhos, ainda mais por opção. Como disse lá em cima, meu ângulo neste assunto seria diferente, eu queria escrever sobre a delicada situação de pessoas casadas e sem filhos. Delicada? Sim. Os amigos que casaram e tiveram filhos invariavelmente vão ficar achando que tem um problema ali, com aquele casal que não quer ter filhos. Se eles descobrem com toda certeza que o problema não é médico, vem a desconfiança: eles não gostam de responsabilidade; querem continuar a ter a vidinha deles; querem liberdade sexual. Todo tipo de imbecilidade de que a mente humana é capaz de produzir. A verdade, meus caros, é bem mais simples: não temos filhos por opção. Sacou?
Por outro lado, os amigos solteiros não vão chamar vocês para a festa ou para a balada porque...vocês são casados. A festa/balada é para solteiros. Esse seria meu ângulo. O casal sem filhos, assim, tem muito mais dificuldade em fazer novas amizades e em manter as amizades antigas.
Mas a coisa se ampliou depois que li o post do Kinnear. Pais julgam mais rápido, não? O próprio Kinnear assume isso. O fato de eu não querer ter filhos é justamente uma prova da minha responsabilidade. Porque tomaríamos uma decisão dessas por razões médicas? (a primeira profissional sugeriu isso: "tenham filho logo e aí a gente já tira o útero direto no parto"). Para agradar a família e amigos? Para passar a ideia de responsáveis, de que agora sim eu posso ser considerado um homem pleno, adulto responsável?
Vamos por pontos: comparar o animal de estimação com crianças. Claro que parece absurdo. Mas Kinnear tem um ponto válido, que os pais sempre se esquecem: sua vida não é mais importante que a de outras pessoas pelo simples fato de você ser pai. E sim, é irritante quando as conversas giram em torno do mesmo assunto e assim você, que é pai, alija o amigo de sempre, querendo ou não. Falar do cachorro não deveria ser visto como ofensivo, mas como alerta: você precisa virar o disco.
Veja, sempre que alguma coisa passa a ter uma importância maior na vida de um indivíduo, aquilo passa a ser assunto primordial. Pode ser um hobby, um esporte, um filho. Já viu gente que gosta de pedalar? Só fala nisso. Só curte isso. Só quer fazer isso. O filho segue o mesmo raciocínio, na medida em que ele toma conta da vida dos pais. Eu entendo isso. Mas, olha, sua vida não é mais difícil, mais fácil ou mais importante que a minha. É só diferente. Suas prioridades são outras.
O outro ponto que o Kinnear ataca é o fato de que pais sempre fazem pouco caso da vida dos outros. "Ah, você está cansado, estressado? Por que? Você nem tem filhos". Sim, porque só filhos é que causam cansaço, stress, falta de sono e por aí vai. Entendo que sua vida é cheia de atribulações, mas se você vai fazer pouco caso da minha, fique calado. É mais legal. Eu não fico falando "bem feito, quem mandou ter filhos", fico?
Terceiro: dizer que "não se preocupe, quando tiver filhos você vai entender, saber o que é limpar cocô, ser feliz, planejar férias pensando neles, comprar carro pensando neles, etc." Como disse o Kinnear, você tem que parar de pensar que todo mundo vai ter filhos. É como se elas dissessem "assim que você tiver filhos, você vai poder fazer parte da sociedade responsável". Pessoas optam por não ter filhos. Aceite isso.
Quarto: pode ir criança na festa? Sabe quando a gente bola um jantar e tem que rebolar porque a mulher daquele amigo é vegetariana ou, pior, vegana? Para mim é tudo a mesma merda, mas vá lá. É você tendo que sair do seu caminho para acomodar o estranho. Porque é que quando eu sou convidado para uma festa em que vai ter criança nunca me perguntam se tem problema? Ó, vai ter criança, tudo bem? Não, não perguntam, né? E o vegetariano que se vire. Eu estou convidando VOCÊ e sua ESPOSA. A festa vai ser à noite e não, não vem criança, poupe o seu amigo da situação constrangedora de ter que dizer isso. Tenha bom senso e arrume uma babá. É até mais tranquilo, você vai curtir mais a noite. Agora, se você acha que ninguém vai cuidar do seu filho como você (e não lhe tiro totalmente a razão), então dê bye-bye à sua vida social, e não chateie o amigo que não tem filhos, ok?
O último ponto levantado pelo Kinnear é o do sentido da vida. "Minha vida não tinha sentido antes de eu ter filhos". Estou fadado à danação eterna e à depressão, então? Construir uma carreira bacana, compor música boa, escrever bons livros, contribuir de qualquer forma possível a uma sociedade mais justa, trabalhar de forma honesta e conquistar cada sonho, nada disso tem sentido se eu não tiver filhos? `Nuff said, né?
Às vezes fica difícil relevar esses pequenos pecados, mas a falta de consideração para com quem decidiu não fazer da maternidade/paternidade uma escolha de vida por vezes é um fardo pesado. A gente se esconde e se afasta para não criar situações constrangedoras, quando na verdade há uma tremenda falta de consideração da parte daqueles que deveriam estar praticando a compreensão para passar para seus filhos.
Não é minha intenção criar polêmica, nem apontar o dedo para ninguém. Não vá vestindo a carapuça porque posso não estar falando de você, e certamente não estou. Falei?







Comentários

Ana Paula disse…
Vocês não fizeram esta escolha do dia pra noite. Da mesma forma que a nossa escolha por tratamentos médicos e adoção foram muito bem pensadas e discutidas.
A cada decepção, a porta que se fecha neste longo e tortuoso caminho, tento imaginar como seria mudar o paradigma: será que eu já não sou feliz "o suficiente" sem filhos? Há três anos, não conseguiria nem vislumbrar esta opção, tão focada estava. Mas agora gastando nosso último trunfo, me pego pensando nisto.
Beijos enormes, Ana Paula.
Unknown disse…
Obrigada por me representar!!! Isso é tudo =)
Unknown disse…
Obrigada por me representar!!! Isso é tudo =)

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