África, epílogo


A caminho da segunda parada para compras, desta vez em um projeto social, onde as pessoas têm um espaço para trabalhar e recebem por esse trabalho que é vendido ali e somente ali mesmo. Edifícios modernos dividem espaço com a feiúra e a pobreza máxima. Uma confusão de carros e gente, buzinas, uma cacofonia sem fim em meio a uma confusão que assustaria qualquer um, mas que para os locais parece funcionar.
Com a assistência de voluntários estrangeiros, os locais usam técnicas tradicionais no preparo de fios e na tecelagem, pela qual produzem toda sorte de belíssimas peças; trabalham palha para cestaria, produzem utensílios e peças decorativas em madeira e há ainda a fabricação de potes e vasos de cerâmica. Tudo o que é vendido aqui é revertido para o próprio projeto.

Nosso amigo quis nos levar, em seguida ao alto da montanha, a pouco mais de 3.000m de altitude para nos mostrar outro aspecto impressionante da cultura local. Nas encostas da montanha os eucaliptos crescem vertiginosamente. Daqui sai madeira que alimenta fornos e da qual se "fabricam" os andaimes que vão ser usados nas construções. À medida em que a estrada serpenteia morro acima, vamos passando por todo tipo de comércio estabelecido às margens da estrada. O caminho fica mais íngreme e o movimento parece querer minguar, mas isso nunca acontece totalmente. A quantidade de gente subindo e descendo o morro (o que será explicado mais adiante) é impressionante. Como não há muita alternativa, temos que desviar continuamente dos pedestres. A cada curva podemos ver a cidade sumindo lá embaixo, em meio a uma névoa de fumaça e poluição. Isso explica meu mal-estar lá embaixo. Isso não parece deter hordas de mulheres, muitas delas em idade avançada que descem a montanha com fardos de galhos e folhas de eucalipto que chegam a pesar 80 quilos. Nosso amigo acha aquilo um absurdo, uma exploração da mulher que não tem cabimento e que mereceria sanções internacionais para que acabasse. Tento argumentar que, possivelmente, trata-se de algum costume tribal, no qual cabe às mulheres o trabalho pesado de colher madeira para o uso doméstico, entre outras tarefas e que essas mulheres são naturalmente muito fortes e dão conta daquele trabalho com tranquilidade. O europeu não se convence. Dezenas delas descem o caminho asfaltado levando a pesada carga por quilômetros e quilômetros. Na volta, chegamos a ver algumas dessas mulheres bem lá embaixo, onde o caminho começa a subir e serpentear a montanha.
De qualquer modo, eis a vista que encontramos lá de cima.
No alto da montanha, a paisagem fumacenta dá lugar a uma região campestre de curiosa beleza. Diz nosso amigo que o campo aqui em cima é bem diferente do de outras regiões. Não era para menos, com essa altitude toda. Segundo ele, em épocas de chuvas a paisagem adquire coloração muito distinta desta. Ao longo do caminho vemos igrejas ricamente ornamentadas (não me refiro a materiais nobres aqui), com multidões entrando e saindo por seus portões, um sem fim de gente que parece estar voltando do trabalho, crianças brincando por todo lado, mas sempre de olho naquele carrão bacana (se pararmos vamos ser rodeados por dezenas delas com pedidos ininteligíveis que possivelmente só significam "dinheiro"). Casas de camponeses misturam-se em meio a montanhas de toras de eucaliptos e outros detritos, restos de galhos e folhas e fardos pesados, prontos para serem levados para a cidade lá embaixo.
Terminada a descida, sou deixado no hotel para fazer as malas, pois partiremos à noite. Estou melhor dos sintomas de gripe que me acometeram na manhã daquele dia, mas a falta de descanso e as duas noites mal-dormidas estão começando a minar minhas energias. Meu estado de espírito me impede de ver beleza, mesmo quando ela está bem ali, na minha frente, na forma de uma belíssima igreja, que lembra muito as igrejas que temos Brasil afora. Fui uma experiência curiosa. Mas sinto um certo contentamento em ver o fim dela.



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